
Decorreu, no passado mês de julho, a apresentação e discussão pública dos primeiros resultados da Agência Cívica de Rating, na qual, algumas das mentes mais influentes do pensamento económico, prevenção da corrupção e do direito no país nos honraram com o seu contributo: Nuno Ornelas Martins (Universidade Católica), Susana Peralta (Nova School of Business and Economics), Julia Gracia, (Nova Faculdade de Direito), Luís de Sousa, (Instituto de Ciências Sociais). A sua presença, bem como o acolhimento do Instituto de Ciências Sociais – pela mão do Dr. Luís de Sousa e Dr. Roberto Falanga a quem devemos um enorme agradecimento – dignificam o nosso trabalho e a nossa missão. Este evento, não foi um fim em si mesmo, mas sim um meio para perseguir uma transformação positiva e eficaz da cultura financeira.
Abaixo, destacam-se alguns dos pontos chave feitos na sequência do evento e no final da página poderá encontrar os vídeos da sessão.

Destaques da apresentação, Luís Coruche (Coordenador do projeto Agência Cívica de Rating).
- Relativamente ao sistema financeiro, seja o sector privado ou sector público, há muito que é devido um observatório cívico exclusivamente dedicado à matéria.
- Com o Modelo de Monitorização Cívica da Banca e a Agência Cívica de Rating desenvolvidos, oferece-se aos cidadãos um instrumento para a observação independente e crítica do que se passa no sistema, bem como de suporte à acção proativa em defesa dos seus interesses e direitos.
- Por outras palavras, a Agência contribui para “guardar os guardas” e libertar os cidadãos da mera aceitação da opinião de economistas, especialistas e do discurso político sobre o estado do sistema financeiro e sobre as suas consequência. Isto através da formação da sua própria análise com base em indicadores fiáveis e simples que oferecem um retrato claro e estrutural do sistema.
- No geral, o Modelo de Notação Cívica é guiado pelo racional simples de que, em democracia, cumpre ao Estado promover os direitos e aspirações de todos de forma igualitária, seja o cariz público ou privado, e impedir que o interesse público seja cooptado por interesses privados. Daí a prioridade dada pelo projecto às questões relativas à assimetria de influências nas políticas, nomeadamente à problemática das Portas-giratórias, entre outras.
- As dimensões económica e financeira são apenas duas entre muitas outras de igual importância, tais como a social, ambiental, cultural, etc.. Por conseguinte, devem subordinar-se a um pensamento político holístico de longo-prazo, e não sectário de curto-prazo, conforme previsto na Constituição. Só assim se obtêm dividendos de desenvolvimento integral e a estabilidade e potencial de crescimento que daí advém.
- Concretamente, no que se refere às Portas-giratórias, o racional também é simples. Na sua essência, se se tece uma rede contínua com a circulação de cargos da banca para o Estado e do Estado para a banca, sem moderação, é de esperar que se crie um sub-grupo com um elevado risco de relegar os interesses da demais sociedade (da qual, ironicamente, depende) para trás.
- Este modelo de rating cívico, orientou-se então, para: i) provar ou desaprovar aquilo que, pelos indícios, é lógico e evidente, ii) mapear as relações de causa-efeito entre diferentes práticas de circulação de cargos e diferentes (e respectivos) impactos na sociedade e iii) recolher as evidências que apontem um conjunto de práticas como potencialmente problemáticas e outro como potencialmente positivas.
- Esta identificação fundamentada de modos de comportamento positivos ou negativos para a sociedade é de extrema importância, pois transcende a mera opinião favorável ou desfavorável à circulação entre cargos privados e públicos, estabelece um referencial para filtrar práticas devidas ou indevidas, em função dos seus efeitos sociais e económicos e busca um equilíbrio holístico, favorável a todos os sectores e dimensões do desenvolvimento do país.
- Por fim, e em termos gerais, considera-se que este exercício de explorar causas e efeitos, filtrar boas e más práticas, e medir desempenhos entre instituições bancárias tem três consequências de particular importância:
- Os resultados obtidos a partir da análise de várias práticas de “Portas-giratórias” (com maiores e menores “períodos de nojo” e maior e menores sensibilidades em termos da natureza e sectores dos cargos assumidos) deixam clara a importância de separar – em termos que se possam medir, classificar e regular – comportamentos que são “Interligações” negativas entre a banca e o Estado e“Relações” positivas entre a banca e o Estado.
Nomeadamente:
a) “Integrações” que são circulações sem “períodos de nojo” ou “períodos de nojo” desadequados à importância e sensibilidade do cargo, que se demonstram problemáticas e com grande probabilidade de consequências económicas e sociais negativas para todos os sectores.
b) “Relações” que são circulações positivas de cargos entre o sector privado e o público, com “períodos de nojo” adequados tanto à importância do cargo, como à sensibilidade do mesmo, que demonstram probabilidades baixas de efeitos económicos e sociais negativos (e até efeitos positivos) para todos os sectores.
- O trabalho apresentado apresenta uma primeira medida exploratória, que permite uma classificação “beta” dos vários casos observados na banca em Portugal.
- Estando suportado pela lógica, por prova e por probabilidade, que o caminho a) é negativo e o b) é positivo, avança-se para esvaziar o argumento de que “os mercados deixam a moral à porta” e aplica-se a Ética na equação. Isto na medida em que um comportamento com efeitos sociais, económicos e ambientais negativos e insustentáveis não deve ser legalizado, enquanto que um comportamento com efeitos positivos deve ser incentivado do ponto de vista legal.
- Tal conduz a uma conclusão útil para a consolidação democrática: Tal como, em democracia, com todos os seus méritos, existe uma separação de poderes vital entre órgãos de soberania (executivo, legislativo e judicial), sem prejuízo da sua interdependência. Concluí-se como positivo aprofundar este princípio, para que o conceito de separação de poderes se estenda para incluir salvaguardas das inter-relações entre sectores, público, privado e não governamental, a fim de que se preservem e se colham os benefícios de um equilibrium de influências, naquilo que se pode chamar “separação profunda de poderes”.
Destaques da intervenção, Nuno Ornelas Martins (Catedrático em Pensamento e História da Economia (Universidade Católica, Porto School of Business).
- Sublinha a importância de se dar resposta a uma tendência crescente da “metrificação” das análises, colocando ênfase na importância do desenvolvimento de uma narrativas que fundamentem as análises estruturais que se pretendem.
- As métricas são um elemento de auxílio ao entendimento e comunicação das realidades, devendo evitar-se o uso das métricas para legitimar pensamentos pré-concebidos, sublinhando que tal não é não é o caso da análise apresentada.
- Nota que para relacionar ações no âmbito financeiro com impactos na economia e na sociedade é necessário reflectir sobre a própria definição de economia.
- Aponta duas definições distintas, a primeira, mais contemporânea: “alocação de recursos escassos em usos alternativos de acordo com preferências subjectivas”; e a segunda, mais clássica: “reprodução de um excedente social, a partir do qual podemos estudar as implicações no bem estar humano”.
- Entende que a concepção mais adequada ao caso do modelo de notação cívica da banca desenvolvido é a concepção clássica, que também é de grande utilidade para o estudo das relações económicas com os limites ecológicos do planeta.
- Enquadra o trabalho apresentado (assente no estudo do impacto das finanças na economia e sociedade) na noção de “Finanças Funcionais”. Nomeadamente, questiona até que ponto é que as finanças estão a contribuir para que o processo de reprodução de um excedente social resolva ou não problemas sociais, dentro dos limites ecológicos.
- Nota que a dimensão filosófica da relação entre a finança, economia e sociedade deve ser muito mais discutida, para equilibrar uma tendência de pensamento económico excessivamente tecnocrático, e que neste processo é inevitável a inclusão da dimensão política.
- Esta reflexão traduz-se na forma de quadros normativos de direitos e obrigações que estruturam e reflectem estas noções [que no limite, têm efeitos positivos ou negativos na sociedade].
- Dá duas referências de economistas que tentaram a síntese entre abordagens mais e menos liberais à economia e aos mercados financeiros: John-Stuart-Mills e Keynes. Referindo que este último, propôs um sistema de incentivos, na forma de imposto sobre transações financeiras, que premeia mais o conhecimento de longo prazo sobre a estrutura económica ao mesmo tempo que desincentiva a especulação de mercado.
- Conclui que o indicador proposto tem duas funções fundamentais 1) Análise Estrutural e 2) Comunicação – e que não deve ter receio de conjugar a narrativa filosófica que o suporta, com a métrica de desempenho apresentada.
Destaques da intervenção, Julia Gracia (Co-fundadora do Nova Compliance Lab, Nova School of Business and Economics).
- Destaca a importância da iniciativa para promover, em primeiro lugar, uma mudança positiva de cultura Ética.
- Notando que o actual quadro legal – para ser eficaz no evitar de promiscuidade e conflitos de interesse entre os sectores privado e público – apresenta lacunas e precisa de ser completado.
- Contudo, sublinha que é preciso levar em conta a noção de psicologia social e de psicologia das organizações de “Miragem Ética” (ex: Tenbrunsel, A. et. al, 2010), na qual se observa que a auto-percepção de comportamento Ética está frequentemente sujeita a um viés, em que considerarmos o nosso comportamento mais Ético do que os demais e do que realmente se verifica.
- Aponta que o debate importante sobre a melhoria de cultura Ética na banca e no Estado, deve partir desta noção, e começar no exemplo de reflexão da própria organização que o propõe.
- Considera importante o desenvolvimento de mecanismos organizacionais internos em todas as organizações, nomeadamente na banca e no Estado, para acolher este tipo de questões; em particular, associados às problemáticas das “Portas-giratórias” que se identificam “Trampolins profissionais, benefícios diretos,…” [Ver quadro de análise Sampaio, Gustavo, 2016].
Destaques da intervenção, Susana Peralta, (Prof.ª Associada Economia Política, Nova School of Business and Economics).
- Sublinha a importância dos comentários do Prof. Nuno Ornelas Martins no que toca a uma tendência de metrificação das análises e estudos.
- Considera que a fundamentação do modelo quantitativo para a avaliação dos diferentes casos de Portas-giratórias [em função do seu risco estimado] tem que ser muito bem efectuada, em particular, o racional por detrás do modelo de ponderação/pontuação dos casos.
- Questiona se diferentes modelos de pontuação/ponderação, para caracterizar a gravidade dos diferentes casos de portas-giratórias, não induziriam diferentes classificações no ranking.
- Ao que se respondeu que esse factor foi levado em conta e que, dado o modelo aplicado, essas diferenças não são expectáveis pois: 1) os factores de ponderação de gravidade aplicados são meramente marginais/decimais, e 2) o indicador desenvolvimento é de apenas duas componentes (de baixa composição/derivação), pelo que deverão manter a sua integridade estrutural, em termos de ranking, com o mapeamento descritivo onde se constroem. [Contudo, deverá ser considerada um análise de sensibilidade].
- Levantou a questão da aplicação de métodos de análise próprios de redes sociais/grafos. Ao que se respondeu que o modelo efectuado é um modelo de redes sociais e que já se consideram alguns elementos chave desse tipo de métodos de análise, bem como nos próximos passos se irá desenvolver essa temática específica.
Destaques da intervenção, Luís de Sousa (Investigador Principal Democracia, Corrupção e Ética, Instituto de Ciências Sociais).
- Sublinha a importância de se aprofundar a avaliação para uma avaliação bi-direcional das Portas-giratórias [tendo em conta que, nesta fase, o Estudo só analisa os movimentos ex-post, não analisando os ex-ante].
- Sublinha, ainda, que os agentes privados, caso se feche uma via de influência, têm tendência para encontrar outras formas de influência que importa avaliar de modo sistémico, nomeadamente, financiamento político.
- Considera importante a atenção à dimensão transfronteiriça da problemática, e à emergência de legislação Europeia que venha a afetar o quadro legislativo nacional na matéria.
- Refere que há agentes que denunciam de imediato as suas intenções problemáticas ao assumir vários cargos não executivos em empresas antes de entrar para cargos políticos e altos cargos públicos, e que os próprios partidos políticos deveriam ter mecanismos de auto-regulação do problema.
- Refere que o estudo terá ainda maior potencial com uma base de dados ainda mais vasta.
- Refere que, na literatura, há uma discussão sobre os efeitos negativos e positivos deste tipo de fenómeno. Ao que se respondeu que – sem prejuízo de se reconhecer que a circulação de cargos entre o Estado e o sector privado pode ter eventuais efeitos positivos nas empresas – se considera lógico e fortemente indiciado que esses casos são um risco que tem que ser um quadro de salvaguardas de interligação e conflito de interesses, adequado e robusto.
Página do evento – Instituto de Ciências Sociais/RIGOP

